Kognitiv Consultoria Educacional e Psicológica

Da sala de aula em situação de risco ao espaço acolhedor: impactos daampliação da jornada escolar segundo a nova resolução do CNE7/2025

1. Breve contextualização

A escola, enquanto instituição social, desempenha papel fundamental na formação
integral de crianças e adolescentes, conforme preconiza a Constituição Federal de 1988,
em seu artigo 205, que a define como espaço destinado ao pleno desenvolvimento da
pessoa, ao exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
Entretanto, em contextos marcados por vulnerabilidade social, a escola muitas vezes não
consegue cumprir plenamente essa função protetiva, podendo até mesmo configurar-se
como um ambiente de risco para o desenvolvimento dos estudantes. Essa situação advém
de múltiplos fatores, tais como a precariedade da infraestrutura escolar, a exposição a
diferentes formas de violência, práticas pedagógicas descontextualizadas e a insuficiência
de políticas intersetoriais integradas (ABRAMOVAY, 2002; CHARLOT, 2000).
A recente resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) nº 7/2025, que
institui a obrigatoriedade de uma carga horária mínima semanal de 35 horas para as
escolas públicas de educação básica, emerge como um marco regulatório e político no
debate sobre a criação de ambientes escolares mais seguros, acolhedores e capazes de
promover o desenvolvimento integral dos estudantes. A ampliação da jornada escolar não
se traduz apenas em maior tempo de permanência na escola, mas em potencial
transformação do espaço escolar, configurando-o como local de acolhimento e promoção
da aprendizagem integral, conforme propõem concepções contemporâneas de educação
(CAVALIERE, 2002; MOLL, 2012).
Este artigo tem por objetivo analisar os impactos da ampliação da jornada escolar
no contexto brasileiro, especialmente diante da nova resolução do CNE, discutindo os
desafios, possibilidades e evidências empíricas relacionadas à transformação da sala de
aula em situação de risco para um espaço acolhedor.

2. Sala de aula em situação de risco: uma problemática multifatorial

A “situação de risco” na escola, conforme destacado por Charlot (2000),
Abramovay e Rua (2002), deve ser compreendida como resultado da interação complexa
entre fatores estruturais e conjunturais que comprometem tanto o processo pedagógico
quanto o desenvolvimento emocional e social dos estudantes. A literatura aponta para
uma série de elementos que potencializam esse risco:

• Violência escolar: física, verbal e simbólica, que afeta diretamente o sentimento
de segurança e o clima escolar (PAIVA; ALMEIDA, 2015);
• Desigualdade socioeconômica: que implica em barreiras no acesso a recursos
educacionais, tecnológicos e culturais (BRUNER, 1996; FREIRE, 1996);
• Déficit de infraestrutura: ambientes escolares inadequados e sem condições
básicas para o ensino e o aprendizado (LIBÂNEO, 2012);
• Ausência de suporte psicossocial: carência de atendimento psicológico e
acompanhamento social, fundamentais para o enfrentamento de situações de
vulnerabilidade (PIMENTA, 2012);
• Práticas pedagógicas desatualizadas: metodologias tradicionais, pouco
inclusivas e desmotivadoras, que não dialogam com a realidade dos estudantes
(GADOTTI, 2009).
Esses elementos interagem para produzir um contexto em que a escola deixa de
ser um espaço protetivo, podendo contribuir para a evasão, a reprovação e o abandono
escolar (BRASIL, 2019). Portanto, a problematização da situação de risco exige não só políticas públicas específicas, mas uma mudança estrutural na organização do tempo e espaço escolar, que contemple dimensões pedagógicas, sociais e comunitárias.

3. A ampliação da jornada escolar como política de proteção e acolhimento

A ampliação da jornada escolar, consagrada pela Resolução CNE nº 7/2025, está
em consonância com as propostas de educação integral defendidas por autores como
Cavaliere (2002) e Moll (2012). Tais autores defendem que a educação integral deve ir
além do aumento quantitativo do tempo em sala de aula, promovendo uma reorganização
qualitativa das atividades escolares que articule aprendizagem formal, desenvolvimento
socioemocional, cultural e esportivo.
A ampliação da jornada escolar possibilita:

• Redução da exposição a ambientes externos de risco, como ruas e espaços
públicos vulneráveis, o que contribui para a segurança e o bem-estar dos
estudantes (ABRAMOVAY, 2002);
• Diversificação das atividades pedagógicas, incorporando cultura, esporte e
lazer, elementos essenciais para o desenvolvimento integral da criança e do
adolescente (MOLL, 2012);
• Fortalecimento do vínculo entre escola e comunidade, criando uma rede de
apoio que amplia as possibilidades de acolhimento e proteção (BRASIL, 2021);
• Oportunidades para o desenvolvimento socioemocional, tão valorizado em
abordagens contemporâneas de educação, que reconhecem o impacto do ambiente
escolar na saúde mental e na formação cidadã (OLIVEIRA, 2018).
Assim, o aumento da carga horária, quando alinhado a um projeto pedagógico
consistente, tem o potencial de transformar a escola em um espaço acolhedor, seguro e
promotor de aprendizagem efetiva (GADOTTI, 2009; LIBÂNEO, 2012).

4. Dados estatísticos recentes: evidências do impacto da ampliação da jornada
escolar

O Censo Escolar 2024 indicou crescimento significativo das matrículas em
escolas públicas de tempo integral, passando de 18,2% em 2022 para 22,9% em 2024,
totalizando cerca de 965 mil matrículas (AGÊNCIA BRASIL; NOTÍCIAS R7, 2024).
Este avanço aproxima o país da meta de 25% prevista no Plano Nacional de Educação
(PNE) para 2024-2034 (BRASIL, 2014).
Por etapa da educação básica, observa-se crescimento nos índices de oferta da
jornada ampliada:
• Creches: 56,8% (2022) → 59,7% (2024);
• Pré-escola: 12,1% → 15,6%;
• Ensino Fundamental: 14,4% → 19,1%;
• Ensino Médio: 20,4% → 24,2% (INEP, 2024).
Estudos recentes também apontam impactos positivos no desempenho acadêmico.
Pesquisa conduzida em escolas públicas do Ensino Fundamental II em São Paulo
demonstrou que estudantes em jornada integral obtiveram, em média, 265 pontos em
matemática, contra 251 dos alunos em jornada regular — diferença de 14 pontos, que
representa aproximadamente 35% a mais em aprendizagem. Em língua portuguesa, a
diferença foi de 10 pontos, equivalente a 26% a mais (BIONDI, 2024).
No Ensino Médio, escolas participantes do Programa de Ensino Integral (PEI)
registraram redução da taxa de evasão em 10,6 pontos percentuais comparadas a escolas
regulares, sendo ainda maior (19,4 pontos percentuais) entre alunos com atraso escolar.
Ademais, os ganhos acadêmicos médios foram de +14,1 pontos em matemática e
+10,2 em língua portuguesa, equivalentes a cerca de três anos letivos adicionais em
matemática e 1,5 ano em português (EDUCAÇÃO SP, 2024).
Apesar desses avanços, persistem desigualdades estruturais. Dados da Fundação
Itaú, com base no Inep, indicam que apenas 52% dos estudantes concluem o ensino
fundamental na idade adequada, com essa proporção reduzida a 38% entre os mais pobres
e elevada a 69% entre estudantes de maior nível socioeconômico (FUNDAÇÃO ITAÚ,
2023). As principais causas para a interrupção da trajetória escolar incluem reprovação,
abandono e evasão, desafios que a ampliação da jornada escolar busca mitigar.

5. Considerações

A transformação da “sala de aula em situação de risco” em “espaço acolhedor”
requer mais do que a simples ampliação da carga horária: exige um projeto pedagógico
intencional, infraestrutura adequada, articulação intersetorial e financiamento
sustentável. A Resolução do CNE que estabelece a jornada mínima de 35 horas semanais
representa uma oportunidade concreta para reconfigurar o espaço escolar, transformandoo em ambiente que promova desenvolvimento integral, segurança e inclusão.
Os dados e evidências atuais confirmam que, quando bem implementada, a
ampliação do tempo escolar resulta em ganhos significativos em aprendizagem,
permanência e equidade educacional. Assim, políticas que ampliam o tempo de
permanência na escola devem ser acompanhadas de investimentos e estratégias integradas
que potencializem seus efeitos transformadores, contribuindo para a consolidação de uma
escola mais justa, inclusiva e acolhedora.

Referências:

ABRAMOVAY, M. Juventude e direitos sociais: a educação na vulnerabilidade. São
Paulo: Cortez, 2002.
BIONDI, R. Análise dos impactos do ensino integral no desempenho escolar: estudo
de caso em São Paulo. Revista Brasileira de Educação, v. 29, n. 1, p. 45-67, 2024.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da
União, Brasília, 5 out. 1988.
BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Lei nº 13.005, 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE nº xx, de 2024. Diário Oficial da
União, Brasília, 2024.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Educação Integral: fundamentos e práticas.
Brasília: MEC, 2021.
CAVALIERE, M. A. Educação integral e currículo: uma abordagem contemporânea.
São Paulo: Cortez, 2002.
CHARLOT, B. A escola em risco. São Paulo: Cortez, 2000.
EDUCAÇÃO SP. Relatório anual do Programa de Ensino Integral. São Paulo, 2024.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL. Indicadores educacionais e desigualdade social no
Brasil. São Paulo, 2023.
GADOTTI, M. Educação e política: o desafio da escola pública. São Paulo: Cortez,
2009.
INEP. Censo Escolar 2024. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2024.
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola pública. 14. ed. São Paulo: Cortez,
2012.
MOLL, L. C. Educação integral: concepções, políticas e práticas. Campinas: Papirus,
2012.
OLIVEIRA, M. Desenvolvimento socioemocional na escola: perspectivas e práticas.
Porto Alegre: Artmed, 2018.
PAIVA, V.; ALMEIDA, L. Violência na escola: abordagens e políticas públicas.
Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 157, p. 322-339, 2015.
PIMENTA, S. G. Formação de professores para a inclusão. São Paulo: Cortez, 2012.

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