À medida que o ano se aproxima do fim, cresce a sensação de que o
tempo nos escapa. O encerramento de atividades, os prazos, as avaliações e os
relatórios criam uma atmosfera de urgência que parece naturalizada — como se
o ritmo acelerado fosse o único possível. Vivemos, afinal, em uma sociedade
que transformou a velocidade em virtude e a pressa em modelo de eficiência.
A modernidade tardia, segundo Hartmut Rosa (2015), é marcada pela
aceleração em três níveis: técnico, social e existencial. Essa aceleração,
paradoxalmente, não produz mais tempo livre, mas uma sensação permanente
de escassez. Quanto mais rápido nos movemos, mais sentimos que o tempo
diminui. O presente se comprime, o futuro se antecipa, e o passado perde o valor
de memória. Vivemos num fluxo contínuo em que o tempo é medido, e não
vivido.
A escola, como microcosmo da sociedade, não está imune a esse
movimento. As pressões por resultados, as exigências burocráticas e a busca
incessante por inovação convertem o espaço educativo em território da pressa.
O conhecimento, muitas vezes, é tratado como informação a ser transmitida
rapidamente; o professor, como executor de tarefas; e o estudante, como
consumidor de conteúdo.
Essa dinâmica expressa o que Rosa (2021) chama de alienação temporal
— um estado em que o sujeito não experimenta mais o tempo, mas o administra
como um recurso escasso. Na escola, isso se traduz em currículos
sobrecarregados, metodologias imediatistas e ritmos que desconsideram as
singularidades do aprender. A pressa, travestida de eficiência, acaba por
empobrecer a experiência educativa.
A lógica da aceleração também possui implicações políticas. A chamada
cronopolítica da educação — a forma como o tempo é distribuído e controlado
— pode reproduzir desigualdades e exclusões. Conforme argumenta Paché
(2025), o tempo nas instituições de ensino não é neutro: quem tem mais tempo,
aprende mais; quem vive em constante urgência, tem seu potencial formativo
limitado. Assim, a rigidez dos prazos e o culto ao rendimento acabam por
penalizar justamente os que mais precisam de tempo para aprender.
Diante desse quadro, repensar o tempo escolar é mais do que uma
questão de gestão — é um ato de resistência ética. Como observa Maia (2019),
o tempo da escola não deveria ser o tempo da pressa, mas o tempo da presença:
o espaço em que se escuta, se erra, se reflete e se reconstrói. Desacelerar,
nesse sentido, não é andar para trás; é recuperar a profundidade da experiência.
A desaceleração pedagógica implica permitir que o pensamento
amadureça, que a escuta aconteça e que o conhecimento se torne experiência
partilhada. Projetos de longo prazo, momentos de pausa, atividades de leitura
sem meta, rodas de conversa e espaços de silêncio são gestos que devolvem à
escola sua função formadora. Quando a escola desacelera, ela respira — e, ao
respirar, volta a ensinar o essencial: o valor de habitar o tempo.
Encerrar o ano, portanto, é também um convite a repensar o ritmo que
nos move. Que a escola possa ser, cada vez mais, o lugar onde o tempo não é
apenas medido, mas vivido; onde o aprender se faz com corpo inteiro, com
pausa e com sentido. Educar é ensinar a coexistir com o tempo — e, talvez, a
acolher nele o que há de mais humano: a capacidade de demorar-se para
compreender
1. Referências:
ROSA, Hartmut. Social Acceleration: A New Theory of Modernity. New York:
Columbia University Press, 2015.
_____________. Aceleração e Alienação: Novas Perspectivas Críticas. São
Paulo: Editora Unesp, 2021.
MAIA, Ana Flávia. Aceleração e Educação: reflexões pontuais sobre a
Temporalidade na Escola. Revista Eletrônica de Educação, v.13, n.1, 2019.
PACHÉ, Gérard. Chronopolitics of Time: Delays, Power, and Inequality in
Higher Education. Journal of Higher Education Theory and Practice, v.25, n.3,
2025.